Dependendo da experiência de vida de cada pessoa, a resposta para essa pergunta pode ser um radical “claro que sim” ou um firme “claro que não”. Ambos os lados também buscam se justificar com citações bíblicas ou comparando-as com situações do dia a dia. Mas por que para alguns está tão claro que beber é pecado e para outros não? Vamos entender.
Nas Escrituras, vemos algumas restrições ocasionais e momentâneas aos sacerdotes sobre o uso de bebidas alcoólicas, orientando que aqueles que foram consagrados ou trabalham a serviço do Senhor devem se abster de prazeres para que assim preparem melhor seu espírito e seu coração para bem desempenhar o ofício diante de Deus.
Um exemplo disso foi a ordem dada aos filhos de Aarão, os quais não deviam entrar na Tenda do Senhor tendo tomado bebidas alcóolicas (cf. Levíticos 10,9), o que também se estendeu aos sacerdotes do Templo (cf. Ezequiel 44,21).
No Novo Testamento, o Apóstolo Paulo afirma algo parecido, ao escrever que todo bispo deve ter diversas virtudes, sendo uma delas não ser “dado a bebidas” (paroinos), ou seja, não deve ser uma pessoa que bebe continuamente.
Sem proibições
Todos esses versículos anteriores parecem, em um primeiro olhar, demonstrar a bebida alcoólica como algo a ser evitado, mas para algumas pessoas a proibição foi dada somente para períodos temporários, como no caso dos nazireus, que faziam votos de se abster de bebidas inebriantes unicamente durante o determinado período de sua consagração, e após isso, eles poderiam beber vinhos novamente (cf. Números 6,1-20).
Este exemplo parece demonstrar que proibindo ou permitindo, Deus estabelece uma maneira diferente de se relacionar com as coisas boas da vida. O vinho, por exemplo, é citado como uma dessas coisas boas cuja falta é lamentável, como lemos em Deuteronômio 29,5 e Joel 1,5.
Alguns trechos bíblicos se referem ao vinho fermentado como algo cheio de dignidade, usado inclusive durante a execução de sacrifícios no Templo pelos sacerdotes por ordem do próprio Deus:
A embriaguez
Puritanismo e o milagre em Caná
Algumas denominações cristãs não católicas, desde o século XVII, pregavam a radicalidade na interpretação bíblica no que se referia a coisas moralmente neutras, considerando-as como práticas más e pecaminosas, como foi o caso de diversos movimentos puritanistas que surgiram desde então.
Para os puritanos, consumir bebidas alcoólicas é uma clara aceitação do pecado e domínio do demônio, sendo que para se salvar seria necessário cortar o mal pela raiz se afastando de qualquer tipo de bebida.
Todavia, em contrapartida ao puritanismo, o próprio Evangelho nos apresenta um episódio interessante da vida de Jesus, que se trata de seu primeiro milagre público: a multiplicação do vinho nas Bodas de Caná.
Conforme verificamos em citações anteriores, o vinho também era bem estimado pelo povo judeu em seus rituais, não apenas por ser fruto de seu trabalho, mas também como algo que traz alegria ao coração do homem. Era comum que o vinho fermentado fosse usado nas celebrações festivas, como nos casamentos. No Evangelho de João podemos ler a narrativa de como Jesus multiplicou essa alegria:
Três dias depois, celebravam-se bodas em Caná da Galileia e achava-se ali a mãe de Jesus. Também foram convidados Jesus e os seus discípulos. Como viesse a faltar vinho, a mãe de Jesus disse-lhe: “Eles já não têm vinho”. Respondeu-lhe Jesus: “Mulher, isso compete a nós? Minha hora ainda não chegou”. Disse, então, sua mãe aos serventes: “Fazei o que ele vos disser”. Ora, achavam-se ali seis talhas de pedra para as purificações dos judeus, que continham cada qual duas ou três medidas.
Nesse texto, percebemos que Jesus não apenas multiplicou o vinho para manifestar sua glória, mas também ofereceu o melhor vinho possível para os convidados, representando a alegria que Deus deseja multiplicar em nosso coração com a manifestação do Messias, mas também a multiplicação do amor de Deus na Terra. Esse acontecimento é tão significativo, que a simbolização que o vinho comunica nunca foi retirada da celebração da “Ceia do Senhor”.
Conclusão
A Igreja Católica prega, baseada nas Escrituras, que nosso corpo é templo do Espírito Santo (cf. 1Coríntios 6,13-20). Esse ensinamento norteia as atitudes que devemos tomar com o nosso corpo, e isso inclui a maneira correta de consumir os alimentos, e claro, também as bebidas.
Tudo o que Deus criou é bom (Gênesis 1,25), puro (Mateus 15,11 e Tito 1,15) e nos foi dado para bem usufruirmos de maneira santa (Gênesis 1,27-30). A partir do momento que usamos os dons de maneira desordenada, a ponto até mesmo de prejudicar nosso corpo e nossa mente, então deixamos de agir segundo o equilíbrio da nossa própria natureza. O vício em bebidas, por exemplo, traz consequências danosas para o indivíduo que bebe e para todos à sua volta.
Segundo o Catecismo da Igreja Católica no número 2290, o abuso do álcool é condenável, mas beber não é pecado desde que em quantidades mínimas, evitando exageros e o intuito de se embriagar propositadamente para se anestesiar.
Em outras palavras, o ato de beber em si não é pecado, caso contrário Jesus não teria multiplicado o vinho nas Bodas de Caná (cf. Jo 2,1-11), mas a maneira com a qual o indivíduo se relaciona com a bebida pode se tornar pecaminosa, principalmente quando se deixa dominar por ela (cf. 1Cor 6,10).
A justa relação com o álcool pode ser moderada pela virtude da temperança (Catecismo da Igreja Católica, números 1805 até o 1811) pois é por ela que cada um consegue administrar todas as coisas de forma sóbria. E a sobriedade é uma via de santificação pessoal, ou seja, é uma virtude que nos aproxima de Deus e nos leva para o céu. Em outras palavras, ainda, ser sóbrio é uma questão de salvação da alma.
Mas tentando responder à pergunta no primeiro parágrafo deste texto: Por que para alguns está tão claro que beber é pecado e para outros não?
Simples: trata-se do que cada indivíduo entende por beber. Para algumas pessoas, por exemplo, sair para beber é sinônimo de sair para se embebedar exageradamente. Diversão, para muitos, ainda é a mesma coisa que se embriagar. Essa, como vimos, não é a forma correta de um cristão conceber alegria, assim como a radical condenação de todas as bebidas, sem restrições relacionadas a questões de saúde, é muito mais um puritanismo do que uma correta visão dos dons da criação.
Do ponto de vista cristão, podemos fazer uso da bebida desde que orientada para a glória de Deus e, claro, sabendo dos próprios limites e sem se deixar cair no autoengano ou na negação dos vícios. Vale lembrar que todo vicio sempre começou com algumas gotas, então cabe a cada um analisar o bom senso e se não consegue parar, evite.
Fonte: https://www.idemais.com.br/post/e-pecado-consumir-bebida-alcoolica/160